“Atlanta” – 1° e 2° Temporadas – Análise

Donald Glover produz, escreve e estrela essa comédia urbana cheia de críticas sociais, humor ácido, personagens peculiares e um reflexo brilhante da periferia de Atlanta num EUA diferente do que já foi mostrado.

Fonte: FX Studios

Comédias abordando cotidiano de uma comunidade ou grupo de pessoas de uma determinada região ou lugar normalmente são as mais interessantes de acompanhar. A série “Atlanta” do canal FX dos EUA e disponível atualmente no catálogo da Netflix, é uma comédia que tem essa característica e sabe como utilizar humor de forma bastante inteligente para fazer críticas pertinentes que vão desde questões raciais, até contextos sociais.

A série criada em 2016 pelo ator, roteirista, diretor e cantor Donald Glover (Han Solo: Uma História Star Wars) virou uma espécie de fenômeno não só por conseguir imprimir um estilo cheio de personalidade, mas por conseguir mostrar a periferia de Atlanta nos EUA de forma totalmente realista através de personagens peculiares que acabaram por catapultar a carreira do próprio Glover, além de Lakeith Stanfield (Judas e o Messias Negro), Bryan Tyree Henry (Eternos) e Zazie Beetz (Coringa).

Juntamente com o diretor Hiro Murai (Station Eleven), Donald Glover dá um tom de uma Atlanta meio “underground” e cheia de problemas onde seus três protagonistas vivem, porém a história é concentrada em Earnest Marks (Glover) conhecido como  Earn, um aspirante a produtor musical que se encontra em má situação, cheio de dívidas e sem uma perspectiva de vida, que vê a chance de mudar de patamar produzindo a carreira musical de seu primo Alfred Miles (Bryan Tyree Henry), conhecido como “Paper Boi”, um rapper em ascensão que ainda precisa de um hit para emplacar.

Fonte: FX Studios

Vivendo com “Paper Boi”, temos o sem noção Darius (Lakeith Stanfield) e juntos o trio acabando criando uma forte amizade que acaba por se tornar o cerne de “Atlanta”. Ainda temos Van (Zazie Beetz), namorada de Earn e que vê que a atual situação do namorado está gerando uma crise no relacionamento gerando vários atritos entre os dois. O que você precisa saber sobre esse seriado é que a história não tem um humor pastelão, alguns episódios inclusive as críticas são tão escancaradas que acentuam ainda mais a forma como a série ironiza certas situações.

Em outros casos, o humor as vezes é imperceptível, é preciso olhar com mais atenção, mas a sacada está lá. O problema de “Atlanta” é que a série é bastante de nicho, talvez por não ter um humor mais universal e escrachado, talvez não atraia um público de massa, mas a série permite que qualquer um com gosto para um tipo de comédia que não segue uma linha mais simples, seja conquistado de uma forma diferente exatamente por conta dos personagens inusitados e as situações absurdas que rolam de um episódio para outro.

A primeira temporada foca muito na situação de Earn e como o personagem tenta sobreviver numa parte da cidade de Atlanta onde as oportunidades são escassas, o preconceito e o racismo ainda são evidentes, acentuado por uma periferia abandonada pelo poder público onde os cidadãos mais pobres precisam matar um leão por dia para conseguir alguma forma de sobreviver.

Fonte: FX Studios

A série é tão bem escrita que abre espaço não só para falar das questões raciais, mas também coloca em contexto, saúde mental, pobreza, violência urbana e outras situações vividas por uma população em sua maioria negra que parece esquecida, mas que tenta perseverar num EUA decadente, mas que clama por mais assistência básica e serviços públicos de qualidade.

Ainda falando sobre a primeira temporada, posso destacar quatro episódios que sintetizam o que é a série “Atlanta”, o piloto “The Big Bang” (1×01) dá o tom que você vai encontrar no decorrer da temporada, conseguindo mostrar que o trio Earn, Paper Boi e Darius vai nos conquistar de imediato. Outro destaque vai para os episódios “Street on Lock” (1×02) e “The Club” (1×08) que mostra que a série tem um olhar imprevisível para situações e é capaz de surpreender na forma como refina seu humor e críticas. A série eleva seu patamar ao apresentar o brilhante “B.A.N” (1×07) protagonizado por Darius, um dos episódios mais bem escritos e espertos que você vai ver em um seriado de comédia, inclusive Donald Glover ganhou um Emmy pela direção deste episódio.  

Fonte: FX Studios

Se a primeira temporada coloca “Atlanta” no radar das comédias mais geniais e necessárias da atualidade, a segunda temporada a consolida como um produto que cresce em qualidade sem limites para entreter. A chamada “Robbin Season”, fazendo alusão ao período pouco antes do período antes do natal quando os roubos e assaltos aumentam na cidade, servindo como uma referência literal e metafórica desse termo servindo de pano de fundo para o que será tratado na temporada, é simplesmente um deleite.

Este segundo ano é ainda mais ousado no formato, ao mostrar que a série não se segura optando por trazer formas mais ousadas de entregar mais humor e uma história melhor encaixada trazendo um otimismo para Earn, em contraponto ao momento ruim que passou na temporada anterior. Essa falsa sensação de que as coisas estão melhorando faz da temporada imprevisível e capaz de trazer episódios memoráveis, como “Alligator Man” (2×01) que abre a temporada e tem a participação do comediante Kat Williams (Norbit – Uma Comédia de Peso) no papel do tio de Earn.

O que se percebe é que “Atlanta” só melhora a cada episódio,  nossa percepção e apego aos personagens é consolidada nesta temporada, tudo isso graças ao elenco. Donald Glover no papel de Earn, faz um tipo excêntrico e carismático ao mesmo tempo, além de ser um cara legal, fica difícil para não torcer para que seja bem sucedido em conseguir um dinheiro extra com bicos enquanto almeja se consolidar como produtor musical do primo.

Fonte: FX Studios

Eu simplesmente adoro Bryan Tyree Henry no papel de Darius, um rapper brutamontes com um carisma e um ar irônico excelente. O personagem mais sem noção e com mais coração na série é Darius, interpretado pelo ótimo LaKeith Stanfield, que aqui entrega uma atuação memorável com tiradas excelentes principalmente na segunda temporada. Zazie Beetz fecha o quarteto principal, ganhando mais espaço na segunda temporada e se consolidando como uma personagem interessante, cheia de personalidade que redescobre seu feminismo, independência e negritude numa escala de evolução bacana de acompanhar.

Em termos de produção, “Atlanta” é impecável, seja na forma como é dirigida, seja na forma como a fotografia sóbria dá um tom cinematográfico com um realismo sóbrio que serve de parâmetro para mostrar uma cidade visualmente bonita, mas ao mesmo tempo pobre e abandonada nas periferias. A trilha sonora salpicada de rap e hip-hop é excelente e diz muito sobre o seriado.

O roteiro em si, principalmente neste segundo ano, beira a perfeição, se na primeira temporada é trabalhado o pessimismo e a pobreza econômica do protagonista, aqui temos algo mais profundo relacionado a “perda” ou “roubo”, que funciona como força motriz da temporada. A carga dramática é mais acentuada e o seriado ganha em maturidade ao trazer um enredo mais versátil, consciente e incisivo como podemos ver nos episódios “Sportin’ Waves” (2×02) e “FUBU” (2×10).

Fonte: Fx Studios

Neste segundo ano, gostei da maioria dos episódios classificando vários como excelentes. A série cresce de patamar ao apresentar “Helen” (2×04), “Woods” (2×08) e “North of the Border” (2×09) com temáticas interessantíssimas e provocadoras, mas sem esquecer o humor como podemos ver nos engraçados “Barbeshop” (2×05) e “Money Bag Shawty” (2×03). O melhor episódio da temporada é o enigmático, esquisito e assustador “Teddy Perkins” (2×06), um dos episódios mais bem escritos e dirigidos da história da série e talvez uma das melhores peças de entretenimento que você vai ver neste formato.

Desta forma, não há como negar que “Atlanta” é um seriado incrível, que com duas temporadas consegue sintetizar o melhor que se pode encontrar em termos de entretenimento e narrativa. Esta talvez seja uma das séries com elenco negro mais talentoso da TV atual, desta forma temos aqui um produto que sabe ousar, sabe se superar a cada novo ciclo e sem falar que coloca Donald Glover no radar de vários aficionados por seriados como uma das mentes mais criativas da atualidade. Esta dramédia é um dos melhores produtos dos últimos anos e merece ser vista e revista tamanho brilhantismo do seu texto.

“Criada por Donald Glover, “Atlanta” é um seriado que vai além das expectativas e entrega um produto que não é apenas uma comédia, mas uma mistura de gênero que subvertem expectativas. Se a primeira temporada a série se mostra ótima, atual e irônica na medida, a segunda temporada consolida o formato da série trazendo drama, críticas pertinentes e humor inteligente a transformando em uma verdadeira obra prima que ainda é bem dirigida, atuada e escrita.”


– Certificado Excelência Negra

Gostou? Veja o trailer da série abaixo. Se já assistiu as duas primeiras temporadas, deixe sua opinião.

Curiosidade: A série foi renovada para terceira e quarta temporadas, sendo que a quarta será a última. A terceira temporada estreia dia 24 de Março deste ano. 

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