“Atlanta” – 4° Temporada – Crítica

A última temporada da série criada por Donald Glover resgata o que deu certo nas temporadas anteriores, traz mais críticas sociais, apresenta episódios excelentes e encerra sua trajetória como uma das melhores dramédias já feitas.

Fonte: FX

O ápice da excelência, é difícil descrever “Atlanta” desta forma, mas é onde o seriado criado por Donald Glover levou sua narrativa nesta quarta temporada, depois de apresentar um universo cheio de críticas sociais, raciais e um surrealismo negro que evolui a cada temporada, temos uma série completa, onde as duas primeiras foram a primeira parte de um microverso cheio de boas ideias e execução primorosa, as duas últimas temporadas foram um experimento de estudo que vai além daquilo que o expectador espera, surpreendendo pela loucura da viagem e o prazer de esta vendo um produto único.

Comentei no meu texto da terceira temporada, que a narrativa desta produção do canal FX contava uma história que parecia uma primeira parte de uma jornada, com nosso quarteto protagonista se aventurando pela Europa durante uma turnê do próprio Paper Boi (Bryan Tyree Henry) deixando Atlanta para traz, dando um frescor bem-vindo ao seriado, mas que mesmo assim parecia incompleta e dividia opiniões, mas sem jamais cair de qualidade, preparando o terreno para sua derradeira temporada final.

Eis que a quarta temporada finalmente estreou, sendo que o último episódio foi ao ar no último dia 10 de novembro, mas as perguntas ainda estavam no ar, será que Glover conseguiu finalizar sua história a contento? Será que o expectador estava preparado para se despedir de seus personagens favoritos? Questões levantadas que ficaram esperando por uma resposta, mas que ao que parece, tivemos várias bem satisfatórias.

A série já começa bem ao retornar sua narrativa para sua cidade de origem e assim conseguir atiçar o público voltando as raízes na sua premiere com ótimo “The Most Atlanta” (4×01) onde Donald Glover se mostra no controle total ao trazer uma trama que explora o relacionamento de Earn (Glover) e Van (Zazie Beetz), ao mesmo tempo que explora as peripécias de Darius (Lakeith Stanfield) pela cidade, bem como Paper Boi agora como consolidado rapper, tudo isso criando um arco bastante interessante utilizando o realismo fantástico para incrementar seu enredo.

É através do primeiro episódio que o tom da temporada é estabelecido, com um surrealismo negro já conhecido de outras temporadas, mas aqui parece atingir seu ponto de maior potencial, colocando os protagonistas em situações inusitadas e estranhas que geram momentos bem humorados e outros absurdamente chocantes revelando uma sinceridade inteligente em um texto com humor ácido e incisivo inserido num contexto que poderia ser facilmente replicado na realidade.

O segundo episódio “The Homeliest Little Horse” (4×02) é exatamente um exemplo onde “Atlanta” consegue ser literal, cômica e nos fazer refletir ao colocar Earn na terapia, enquanto em paralelo conta a história de uma desconhecida inserindo uma reviravolta nos dois arcos conseguir fazer um dos episódios mais surpreendentes dessa primeira metade da temporada.

Ao apostar em histórias mais abstratas demais, nota-se que em as vezes falta certo polimento e o resultado em determinados momentos é abaixo do esperado como em “Born 2 Die” (4×03), neste ponto o seriado se perde na sua própria genialidade, mas ao invés de tornar isso um hábito, o roteiro se diversifica apostando em histórias mais íntimas de seus personagens, principalmente em suas relações pessoais.

Fonte: FX

Episódios como “Light Skinned-ed” (4×04) e “Snipe Hunt” (4×07), mostram que “Atlanta” também é sobre famílias e relacionamentos respectivamente, seja aquela família negra complicada e complexa representado pelos parentes de Earn e Paper Poi, capaz de confusões antológicas diante de uma situação simples, como de um suposto sequestro. Por outro lado, temos narrativas sutis com monólogos maravilhosos quando o roteiro se aprofunda na complicada relação amorosa de Earn e Van, tendo como peça central Lottie, a filha do casal durante um acampamento de família, resultando num episódio sensível e cheio de nuances.

E a série não para por aí, ao não colocar limites para suas próprias ambições narrativas, Donald Glover flertar com vários gêneros, conseguindo ir do drama para a comédia chegando no terror em diversos momentos, mas sem perder sua veia crítica, mostrando que “Atlanta” não tem barreiras para se desafiar, ao mesmo tempo que deixa seu público sempre pronto para ter uma nova experiência a cada episódio, sem medo de entregar algo imprevisível nos tirando da zona de conforto.

É nesse ponto que o seriado consegue ser genial ao mesmo tempo que presta suas homenagens a indústria cinematográfica ao mesmo tempo que faz críticas pesadas a forma de se fazer cinema e seriados voltados para o público negro como podemos ver no episódio “Work Ethic!” (4×05) que possui uma vibe bastante “Teddy Perkins” (2×06), mas com aura sóbria que tenta ir além, ao dizer que o entretenimento por demanda é uma forma pesada de controle, quase como uma indireta para Tyler Perry e outros produtores negros do ramo.

Fonte: FX

E Glover se mostra perspicaz, ao se superar e entregar um excelente pedaço de arte chamado “The Goof Who Sat by the Door” (4×08), um episódio com formato de falso documentário que resgata a história por traz do longa “Pateta – O Filme” e seu criador Thomas Washington, revelando como a indústria hollywoodiana predominante branca pode ser cruel e destruir o sonho de uma pessoa preta num piscar de olhos, as vezes com consequências trágicas numa clara critica aos grandes estúdios.

A verdade é que ao testemunhar esta última temporada de “Atlanta”, a sensação de que temos é que a série terminar é uma tragédia dando uma sensação de completa tristeza e melancolia, ainda mais com uma obra tecnicamente impecável, com roteiro afiado e atuações não menos que geniais de um elenco que ajuda a consolidar um dos produtos mais brilhantes que a TV já produziu.

E aqui nesta narrativa derradeira que Donald Glover faz seu seriado transcender, conseguindo colocar tudo pelo ponto de vista de pessoas negras e suas experiências utilizando a cidade de Atlanta como palco para elevar a cultura local na pura exaltação da negritude, ao mesmo tempo que entrega tramas cotidianas geniais com um toque de humor que gera episódios focados em Paper Boi que estão entre os mais surpreendentes da temporada, mostrando o talento dramático e cômico de Brian Tyree Henry (Eternos), como fica claro em “Andrew Wyeth, Alfred’s World” (4×09) e no hilário “Crank Dat Killer” (4×06) que tem uma das reviravoltas monumentais da série, simplesmente o beijo do chefe da genialidade.

Fonte: FX

No geral, a última temporada de “Atlanta” fecha a jornada de Earn, Paper Boi, Van e é claro, Darius, de forma satisfatória, mas deixando aquele gostinho de que poderia render mais, porém ainda assim terminando no momento certo, no auge da criatividade e sem medo de inovar, mesmo que seja no último episódio da série com o brilhante “It Was All A Dream” (4×10), que não só foca no melhor personagem da série, Darius, como encerra sua jornada de forma, louca, extremamente bem dirigida (Hiro Murai gênio) e ambígua que fará seu público pensar muito tempo após as letras começarem a subir no fim.

Depois de quatro temporadas e vários episódios impecáveis num produto que sabe se diferenciar pela qualidade do seu texto e acabou por projetar Donald Glover como uma das mentes pretas mais criativas da atualidade, “Atlanta” crava aqui seu espaço com um dos finais mais perfeitos já feitos coroando um seriado que elevou as histórias contadas e passadas pelo ponto de vista de pessoas pretas para outro patamar, juntando humor, drama e questões raciais embasadas que transformam a série numa obra prima atemporal.

Gostou do texto? Diga o que achou da última temporada nos comentários e vejo o trailer.

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